Carta aberta de uma criança a um Educador que faz a diferença
É por isto que preciso de ti, para que faças a diferença na minha vida,
não só quando chego pela manhã, mas em todas as horas e todos os dias em que
estou e sou contigo.
Sim, mais do que estar, preciso que me permitas ser. Aquilo que um dia
serei começou a ser construído durante o tempo em que estive contigo. Por isso
não olhes para mim apenas como “mais uma criança”. Quando crescer não quer ser apenas
“mais um adulto”.
Sei que não tens tempo para me dar toda a atenção que, na verdade, gostava
de ter, porque somos muitos e tu és apenas uma pessoa. Eu compreendo, não julgo
e não cobro. Mas tenho de confessar que gosto quando em algum momento do dia me
dás uns segundos da tua atenção sincera. Às vezes basta que repares na camisola
nova que trouxe para a escola ou até do penteado que fiz.
Gosto quando te sentas a brincar na casinha e nos ajudas a pôr a mesa. Estás
a brincar connosco e ao mesmo tempo estás a ensinar-nos a posição dos talheres,
a usar a faca e o garfo ou mesmo a sentar corretamente na cadeira. Às vezes
pergunto-me porque é que tu não trabalhas. Os meus pais todos os dias têm de ir
trabalhar e tu vens para a escola brincar connosco.
Sei que não podes estar sempre a brincar, tens muitas crianças para ajudar e outras coisas para fazer. Mas é disto que não me vou esquecer: as pistas enormes que comigo estiveste a construir; as experiências mirabolantes que me incentivaste a fazer; as panelas de sopa com terra, folhas, pedras e tanto mais que, carinhosamente, me ajudavas a preparar. É esta a diferença que fazes e que quero que continues a fazer na minha vida.
Não me posso esquecer que um dos meus momentos favoritos é quando te
sentas na biblioteca e nos lês uma história embalados no calor do teu abraço.
De uma ou duas crianças que ali estavam, num abrir e fechar de olhos muitas
outras se juntam, naturalmente, quando começam a ouvir a tua voz, com outras
vozes dentro, a ecoar pelo espaço. Sabes porquê que todos se querem juntar? Por
ti. Porque a tua presença é melhor que qualquer outro brinquedo ou brincadeira.
Por isso, quando leres uma história, não leias apenas por ler. Dá o
melhor de ti, sente-a e envolve-nos com a tua expressão. Prende-nos a ti, ao
que estás a ler, e faz com que a nossa imaginação possa voar alto, bem alto.
Elogia-me. Não preciso de elogios feitos só por fazer, preciso que os
faças com honestidade. Quando te mostro algo num momento em que estás a fazer
alguma tarefa ou a ajudar algum amigo, não quero que olhes e digas “que giro”.
Sei que olhaste, mas não viste. Prefiro ouvir-te dizer “vejo daqui a pouco,
agora não consigo ver com atenção”. Aquilo que espero de ti é sinceridade.
Sabes porquê? Porque a tua sinceridade vai ajudar-me a ser sincero.
Sei que muitas vezes te preocupas connosco porque te exigem que nós
aprendamos coisas. Mas não tens que te inquietar e começar a imprimir fichas de
português e matemática para fazermos. As aprendizagens não existem apenas se
estiverem espelhadas numa folha de papel. E tu sabes disso melhor que ninguém!
Já reparaste que contigo aprendi a apertar os cordões sozinho? Há quanto tempo é
que não te chamo para me ajudares na casa de banho? E o casaco que visto sem
nenhuma ajuda? E os brinquedos que já arrumo sozinho? E durante as refeições
que já não tens de me ajudar? É isto que vai fazer de mim uma criança independente
e responsável. Sim, se calhar aprendi algumas coisas.
Não me ensinaste todas as letras do alfabeto. Também não sei até que
ponto é que consigo contar sem ajuda até ao 3876. E os únicos grafismos que fiz
foi ao seguir a trajetória de um caracol que observei na terra. Mas não te
preocupes com isso, quando chegar à escola, haverá algum professor
para me ensinar.
Quando sem querer te chamo “pai” ou “mãe”, e logo a seguir digo atrapalhada
“enganei-me ihih”, significa que passo muito tempo contigo. Por isso, para
terminar, faz com que esse tempo valha a pena. Se estou contigo todos os dias, espero
que faças a diferença na minha vida.
E se um dia não me lembrar de ti... Bom, acho difícil que nos esqueçamos das
pessoas que fazem a diferença na nossa vida!
Sou apenas uma criança, entre tantas outras que tu tão bem sabes abraçar, cuidar e amar.
Um educador de Infância,
Fábio Gonçalves
Um texto muito bonito e realista. Tive alguns professores, ao longo da vida, que foram os pilares em que a minha personalidade se foi constrindo.Nunca os esquecerei.
ResponderEliminarMuito bom!
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