Manifesto contra o colega da porta do lado!
Somos
Educadores de Infância, seres perfeitos e imaculados, sem defeitos. Até ao
momento em que o colega da porta do lado bate à nossa porta. Normalmente o
colega da porta do lado é, um tanto ou quanto, estranho. Literalmente estranho.
Muito estranho.
O colega da porta do lado está sempre a
criticar o nosso trabalho. Acredito que seja limitado no pensamento. No seu
dicionário só deve constar uma palavra: “Defeitos”. Ou, na melhor das
hipóteses, talvez sejam duas: “Colocar Defeitos”.
O colega da porta do lado diz-me para experimentar outros caminhos. Mas
que caminhos? Na Educação de Infância cada educador escolhe o caminho que
considera mais adequado (e nisto o colega da porta do lado até concorda comigo,
tenho de admitir). É por isto que escolho o meu caminho. Eu aprendi assim. E eu
até tenho mais tempo de serviço.
O colega da porta do lado diz que eu devo ter a porta aberta, em todos
os sentidos, literal e figurativo. Mas tenho medo, confesso que tenho medo.
Medo que uma criança me fuja da sala, mesmo sabendo que, no máximo, elas
poderão chegar até ao quintal! (Na pior da pior das possibilidades, chegam à
casa de banho!) É por isso que a fecho, à porta, literal e figurativamente.
Bom, mas o colega da porta do lado tem a porta aberta. Eu tenho a minha porta
bem fechada, como já disse, não vá o colega da porta do lado querer copiar os
meus “coelhinhos fofinhos” que fiz ao serão.
O colega da porta do lado diz que o recreio é quando as crianças
quiserem. E eu não concordo, porque tenho uma planificação e um currículo para
cumprir. E não concordo porque as crianças só podem ir ao recreio às 10h30m,
que é quando toca a campainha. Têm que se habituar, é isto que vai acontecer na
escola primária. Temos de as preparar. As crianças precisam de rotinas. E
durante as AAAF têm muito tempo para o recreio!
O colega da porta do lado diz que as rotinas são importantes. Mas eu
também defendo isso. Mas ele acha que as crianças também precisam de fugir da
rotina. Aí já não concordo. Só porque não.
Às vezes é tão difícil compreender o
colega da porta do lado!
O colega da
porta do lado diz que as crianças podem, devem e têm de fazer barulho. Não
concordo. E faz-me confusão ter uma sala barulhenta. Faz-me confusão não ter as
crianças sentadas a trabalhar duas vezes por dia, uma de manhã e outra à tarde
(pelo menos!). As crianças têm de andar em sentido!
O colega da porta do lado não me ajuda quando preciso.
Quando lhe perguntei o que devo fazer no dia da mãe, disse-me para perguntar às
crianças. Perguntar às crianças? Nem pensar. Elas ainda são tão pequenas. A
última vez que fiz essa pergunta a uma criança, há muito tempo, a resposta
foi... bem, já não me lembro!
O colega da porta do lado
está sempre lá, de porta aberta para nos receber. Mas na maioria das vezes não
quero entrar, porque não me identifico. A sala está desarrumada. As paredes
desorganizadas. Crianças em cima das mesas. Crianças por baixo das mesas.
Crianças a fingir que comem plasticina como que se de gelado se tratasse (e às
vezes comem mesmo gelado!). Crianças a pintar, crianças a brincar, crianças a
correr, crianças a saltar, e outras tantas a rimar! Tudo ao mesmo tempo! Que
confusão ali vai. Fico cansado só de ver.
O colega da porta do lado
tem-se esquecido do que é ser educador de infância. Não foi nada disto que
aprendi e aprendemos!
Mas nós também nos esquecemos.
E esquecemo-nos na maioria das vezes que o
colega da porta do lado está ali para nos ajudar. Para nos abrir os olhos para
o mundo. Para nos ensinar a ver e a conhecermo-nos. Para nos levar a pensar,
simplesmente pensar. Porque o mundo não é , nem pode ser, só o que vemos. E a
Educação de Infância não é “apenas isto e tão só isto”.
O colega da porta do lado
tem estado lá, dia após dia. Mas não o ouvimos. Somos incapazes de ouvir a
opinião dos outros. De aceitar a critica, a critica que nos vai fazer crescer
enquanto profissionais. Não somos capazes de ouvir… principalmente a opinião do
colega da porta do lado! Ouçamos o colega da porta do lado!
Sim, o colega da porta do
lado está lá, e sempre esteve. Está lá para raspar a tinta com que nos pintaram
os sentidos! Já assim dizia Alberto Caeiro.
… Mas enquanto não entrarmos na porta
do lado, não iremos perceber o colega da porta do lado!
Um Educador de Infância!
Fábio Gonçalves
Muito bom! Era tão gratificante ter colegas da porta ao lado... mesmo aqui ao lado.
ResponderEliminarO pior é que o colega da porta do lado também não gosta quando eu critico o trabalho dele, não entra na minha sala, fica desconfortável... E afinal os meus meninos são como os dele, também brincam! Mas com regras, claro, ordenadamente, como deve ser. Ele é que não percebe, acha que podem misturar-se os livros com as batatas fritas da casinha. Eu não lhe digo isto, mas os colegas do 1º CEB percebem a diferença. Os meninos dele não sabem fazer uma ficha, pintar por dentro, desenhar letras como deve ser, estão sempre a falar e a levantar-se... Afinal quem é que tem razão? Não estamos aqui para os preparar? Eu de vez em quando digo-lhe: "Veremos, veremos, para o ano, quando eles forem para a escola, quem é que tem razão".
ResponderEliminarArrepiou-me muito o seu comentário. Acho que não percebeu a bela mensagem do texto. Parece que está a necessitar de um "colega da porta ao lado"
EliminarIdem Otília Moreira! Que arrepiu!
EliminarGostei muito...Mesmo muito Fábio. Nos últimos tempos temos sido colegas da porta ao lado, bem ali...ao lado, e não nos entendem. E era tão bom "raspar a tinta com que nos pintaram os sentidos". Beijinho grande, e obrigada pelo belo texto. Faz-me acreditar no futuro da Educação de Infância!
ResponderEliminarGostei muito de ler. Mesmo. Abraço.
ResponderEliminarGostei muito. O colega da porta ao lado, também somos nós, estamos todos a ensinar e aprender, temos todos defeitos e qualidades, todos temos algo a dar ao colega da porta ao lado e a receber dele.
ResponderEliminarO colega da porta ao lado é o nosso espelho, se o observarmos vemo-nos a nós, em muitos comportamentos e atitudes. Por vezes é tão difícil olharmo-nos ao espelho, criticar os defeitos dos outros é ignorar as nossas fraquezas, e, enquanto as ignoramos não ajudamos nem aprendemos, apenas fixamos o olhar no nosso umbigo.
Vamos abrir a nossa porta para que a porta ao lado se abra.
Um abraço
Gostei muito. O colega da porta ao lado, também somos nós, estamos todos a ensinar e aprender, temos todos defeitos e qualidades, todos temos algo a dar ao colega da porta ao lado e a receber dele.
ResponderEliminarO colega da porta ao lado é o nosso espelho, se o observarmos vemo-nos a nós, em muitos comportamentos e atitudes. Por vezes é tão difícil olharmo-nos ao espelho, criticar os defeitos dos outros é ignorar as nossas fraquezas, e, enquanto as ignoramos não ajudamos nem aprendemos, apenas fixamos o olhar no nosso umbigo.
Vamos abrir a nossa porta para que a porta ao lado se abra.
Caríssimo colega! Eu sei que, desde que deixei de ser a colega "da porta ao lado" a tua vida nunca mais foi a mesma... Mas calma, nada está perdido! Subindo as escadas cá estou eu e as partilhas continuam ;)
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