EDUCAÇÃO DE INFÂNCIA, CURRÍCULO E FESTIVIDADES!

 



A especificidade da Educação de Infância em relação aos outros níveis educativos diferencia-se, sobretudo, pela existência de um currículo aberto e flexível. Por este motivo, a construção e desenvolvimento curricular está dependente de algumas variáveis: as crianças; o educador de infância e o seu modo de fazer pedagógico; o contexto sociocultural; os normativos legais; entre outras.


Partindo da premissa anterior, percebemos que cada contexto e cada grupo de crianças é único, e o currículo que se desenvolve em cada sala é singular e ajustado a uma realidade em particular, pelo que nem sempre é possível ser reproduzido. Em Educação de Infância não existe um currículo pronto-a-vestir.


Por não haver programas, conteúdos ou temas obrigatórios e transversais ao trabalho de todos os educadores de infância, importa que estes, enquanto gestores desse currículo, pensem nas propostas didáticas com uma intencionalidade educativa.


Enquanto educadores, devemos aproveitar algumas datas ou manifestações culturais e sociais para promover e alargar os conhecimentos das crianças. Algumas…


No entanto, tendo em conta esta autonomia que temos na gestão curricular, fará sentido que continuemos a ter práticas educativas reféns do calendário?


Por exemplo…


Não tenho qualquer tipo de problema com a celebração do dia de halloween nas instituições educativas, até porque hoje em dia é impossível que as crianças não estejam expostas às tradições de outros países, através deste processo de aculturação cada vez maior.


Depois dos chapéus de bruxa… está quase na altura de preparar as castanhas. Sim, o São Martinho é a celebração que se segue. Concordamos que é uma tradição que deva ser preservada.


Também não levanto entraves à comemoração do dia da alimentação. Todos sabemos que é fundamental que exploremos as questões da alimentação saudável com as crianças neste dia.


O dia do animal é outro que muitas vezes assinalamos, porque sabemos que os animais são, regra geral, do interesse das crianças e isso permite-nos trabalhar o tema e desenvolver projetos fantásticos.


Outra data que não passa despercebida é o dia da água, sendo um momento importante para termos conversas sérias com as crianças sobre a necessidade de poupar água.


Celebrar o dia do mar também é fundamental. E é mais do que sabido que temos de falar sobre a poluição dos oceanos, nomeadamente fazer algum projeto sobre a acumulação de plástico, proveniente de atividades humanas, nos meios aquáticos.


Não pode faltar num plano anual de atividades o dia dos namorados, por muito que não o celebremos como tal, porque muitas vezes entendemo-lo como “dia dos amigos”. Este é um dia dedicado a fazer corações vermelhos, que as crianças tanto gostam.


Mas também há o dia dos amigos... Bom, parece que temos de celebrar duas vezes o dia dos amigos.


Temos ainda a Páscoa, o Natal, o dia da árvore, o dia do pai, o dia da mãe, o dia disto, o dia daquilo….


Estava a esquecer-me de quatro datas que não falham: outono, inverno, primavera e verão. Sim, nestes quatro dias do ano temos de falar com as crianças sobre as mudanças de temperatura (por muito que ainda não as sintam) ou de vestuário (mesmo que estejam de calções a falar sobre o inverno). E temos de pintar folhas no outono, guarda-chuvas, bonecos de neve...


Apesar de alguma ironia, considero que não haja problema em celebrarmos algumas datas do calendário com as crianças, quando estas têm sentido (para elas, para nós e para o contexto em que se inserem) e promovem a construção de significados. E também não há problema em assumir que sim, que há datas que fazemos questão de celebrar!


Contudo, é importante não esquecer que o foco do trabalho em educação não é, nem pode ser, centrado na celebração de datas e festividades. O nosso trabalho com crianças pequenas não pode nem deve andar ao ritmo das festas que o calendário anuncia.


As nossas salas não podem estar decoradas ou enfeitadas a partir das datas que celebramos. As paredes comunicam e, acima de tudo, devem revelar os processos de escuta e documentar a participação das crianças.


Não faz sentido enfeitarmos as salas com corações, porque é dia dos namorados; com palhaços, porque é carnaval; afixar coelhinhos, porque chegou Páscoa; espalhar folhas de outono, porque estamos no outono. O trabalho em Educação de Infância, e aquilo que é a documentação pedagógica, vai além disso.


Por muito que consideremos pertinente comemorar algumas datas e celebrações, importa refletir e perceber até que ponto faz sentido transformarmos as salas em ateliers de construção de enfeites e decorações (em série)? Fará sentido perdermos tempo a fazer decorações, em vez de estarmos verdadeiramente com as crianças a brincar? (ou até mesmo a celebrar essa data!) Se em cada ano letivo consideramos que os Planos Anuais de Atividades são extensos, porquê que continuamos a sugerir tantas datas para comemorar?

 

Estas são algumas questões para que continuemos a refletir em conjunto. 

Termino com uma provocação:


 Quais são os critérios que te levam a pensar “Esta data é uma boa data!” ?

 

Boas reflexões!

Um Educador de Infância,

Fábio Gonçalves

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