PARA LÁ DOS PROJETOS DE SALA, DOS NOMES E DA DECORAÇÃO DAS SALAS... O QUE IMPORTA EM EDUCAÇÃO DE INFÂNCIA?


Nos últimos dias são muitas as dúvidas nas redes sociais sobre projetos de sala, sugestões para nomes das salas e decorações das mesmas. Inicia-se o ano letivo e é fundamental que pensemos em algumas coisas importantes, para lá das decorações, naturalmente. Foquemo-nos hoje no primeiro ponto, no projeto curricular de grupo.


A redação de um projeto curricular de grupo é uma (das muitas) funções do educador, que deve ser elaborado tendo por base um processo de observação atenta e escuta ativa, para que tenhamos um conhecimento das crianças o mais sustentado possível. A não ser que seja um grupo que acompanha o educador do ano anterior, sobre o qual já existe algum conhecimento prévio e, portanto, alguns pontos do projeto poderão ser mais fáceis de escrever, é essencial que se conheça o grupo antes de elaborar um projeto, porque os projetos não podem surgir no vazio nem partir de cenários hipotéticos. Um projeto é uma resposta e, por isso, não podemos elaborá-lo sem um conhecimento prévio do contexto em que o mesmo irá ser implementado.

Há duas variáveis a ter em consideração na elaboração de um projeto curricular: a componente pedagógica e o conhecimento sobre as crianças, que estabelecem uma relação de interdependência.

Em relação à primeira, é natural que com a formação e a experiência de cada um, seja possível definir previamente objetivos gerais para o ano letivo, tendo por base as competências e aprendizagens que consideramos essenciais. O conhecimento pedagógico que advém da nossa prática permite-nos definir facilmente os nossos credos pedagógicos e fundamentar o nosso modo de fazer pedagogia. A experiência que adquirimos na nossa ação enquanto educadores, leva-nos a acreditar em determinados princípios da pedagogia para a infância e esses não mudarão, independentemente do contexto: a agência da criança; a promoção da autonomia e da responsabilidade; a estimulação do pensamento crítico e da criatividade; a organização de ambientes de aprendizagem ativa, entre outros igualmente importantes.

No entanto, a especificidade do trabalho em Educação de Infância não permite que se tracem objetivos específicos sem o conhecimento das crianças, na medida em que todo o trabalho a ser desenvolvido com um grupo de crianças deve partir, mais uma vez, do conhecimento sobre as mesmas. A expressão “respeitar os interesses e necessidades das crianças” é real e não pode ser uma frase repetida nos documentos oficiais só porque sim, porque fica sempre bem ou porque todos a escrevemos.

Por estes motivos, um projeto curricular é um documento individual que não pode (e não deve) ser reproduzido por outro educador, com outro grupo de crianças. Além de individual, é um documento flexível (e este não é apenas mais um chavão!). Este projeto tem de estar em constante desenvolvimento e atualização. Tal como periodicamente fazemos uma avaliação de cada criança, através de registos de observação que vão sendo feitos, o projeto curricular de grupo deve também ser avaliado e, a partir daí, ajustado e adaptado à realidade emergente.

Emergente. O projeto curricular de grupo é um documento emergente e, como tal, não é possível que o mesmo fique finalizado em setembro, muitas vezes antes do ano letivo começar.

Torna-se também urgente que as coordenações de departamento, as direções técnicas e pedagógicas estejam informadas e sensíveis a isto, porque um projeto terminado em setembro não é um projeto, é apenas um registo escrito sem qualquer utilidade prática na vida dos educadores de infância. E documentos sem utilidade já temos muitos! Por este motivo é que muitas vezes ouvimos: “o projeto não serve para nada”. A partir do momento em que o projeto curricular de grupo se assume como um documento estanque, não, de facto não serve para grande coisa.

Com isto, a não definição de uma data de entrega não significa que não haja acompanhamento, porque é fundamental que este aconteça e a coordenação tem um papel importante nisto. O projeto curricular de grupo pode fazer a diferença no trabalho de um educador de infância com um grupo de crianças, quando assumido com a seriedade e quando espelha a realidade daquilo que acontece dentro (e fora) das paredes de uma sala do jardim-de-infância.

Concluindo:
Um projeto curricular deve ficar terminado em setembro?
Não.

Bom ano letivo!

Um educador de infância,
Fábio Gonçalves

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