Ontem decidi parar os meus afazeres “inerentes à profissão”
para te observar enquanto brincavas. Limitei-me a observar-te. Sei que tinha
imensas coisas planeadas para fazer contigo e com os teus amigos… Mas ontem
limitei-me a observar-te a brincar.
E senti-te triste. Estavas tão triste.
Continuei a observar a tua simplicidade. O teu olhar
ternurento, puro e sincero, revelava uma imensa tristeza.
Depois de pensar refleti. Qualquer profissional deve
refletir sobre o que observa. Depois de refletir avaliei. Fiquei espantado com
as conclusões a que cheguei.
É facto que todas as crianças são diferentes, que não têm os
mesmos interesses nem as mesmas necessidades. E isto é (praticamente) um dogma
no que à Educação de Infância diz respeito. Pelo menos é isto que escrevemos
nos nossos projetos pedagógicos. Mas tu não foges à regra e também és
diferente.
Tu não gostas de brincar. Tu… não gostas de brincar!
Mas todas as crianças gostam de brincar, pensava eu.
Talvez a culpa seja dos teus pais.
A culpa... é sempre dos pais! (Esta é outra verdade absoluta em Educação de Infância)
Tu és diferente. Tu não gostas. Tenho de respeitar isso. Mas
já sei como te ajudar. Vamos ali fazer umas tarefas de raciocínio matemático
(não gosto de lhes chamar fichas). Tu adoras fazer estes trabalhos. E pintar
desenhos. E pintar letras… por dentro! E quando te observo vejo-te feliz. Oh, és
uma criança tão à frente do teu tempo!
À saída comentei com o colega da porta do lado que tu não
gostas de brincar. Mas ele disse-me aquilo que inicialmente pensei “Oh, todas
as crianças gostam de brincar”. Rapidamente afirmei “Não gosta. Hoje pela
primeira vez observei-a a brincar e ela não gosta de brincar. Fica triste”.
Mas ele depois continuou:
“O problema foi teres observado, pela primeira vez. Todas as
crianças gostam de brincar. Mas esta simplesmente não sabe brincar. E a culpa é
tua, inteiramente tua. De manhã chega e tem de falar do seu dia anterior (mesmo
que tenha passado o dia inteiro na escola). Depois marca a presença (ainda para
mais quando o símbolo dela é uma flor. Ela odeia flores). E marca o tempo
(naquele quadro de feltro que tens na sala, confesso que é lindo!). E marca o
comportamento do dia anterior (verde, amarelo e vermelho, talvez acredites que
seja a única forma de dar cor à vida da criança?!). E marca, marca, marca… passa
uma hora a preencher quadros e quadrozinhos. E depois entras tu com uma
atividadezinha, que dura cerca de uma hora, ou mais. E ela tem de ficar sentada,
em círculo, sem pestanejar, sem se deitar, sem falar…e com as pernas à chinês
(sim, porque só os chineses é que cruzam as pernas!). Depois é tempo de
lanchar. Vais tomar o teu chá e voltas. Quando voltas as crianças podem
brincar. Cinco minutos depois, têm de arrumar o que não tiveram tempo de
desarrumar. Está na hora de ir fazer chichi e cocó. Sim, porque todos sabemos que
as crianças têm vontade de fazer chichi ao mesmo tempo. E cocó também. Durante
a tarde o circuito é literalmente o mesmo. Com a agravante de que não tem tempo
para brincar (é pouco tempo!). Mas o que te importa, no meio disto tudo, é que no final do dia tenhas tirado umas fotografias bonitas. Os pais gostam, não é?”
O colega da porta do lado, desta vez, deixou-me a pensar.
Mas foi apenas isso, a pensar.
Um Educador de Infância,
Fábio Gonçalves
Fantástico, uma vez mais!!!
ResponderEliminarPalavras para quê?...
ResponderEliminarExcelente!
(mas EXCELENTE mesmo, não é um daqueles Excelentes do qual se diz: "ninguém é excelente"... Este é mesmo EXCELENTE!)
E era tão bom que os adultos te ouvissem!!!!!
Obrigado (em nosso nome!)
Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderEliminarMuito bom!!!Obrigada por me deixares a pensar! Ai o Tempo, essa gestão!
ResponderEliminar(Ai é tão isto caraças!!!!!)
E as crianças parece que já não sabem brincar!
Mas sabem e QUEREM!
Deixemos!!!!!