A infância não termina aos seis!
Uma criança quando chega ao 1.º Ciclo não deixa de ser criança e, como qualquer criança, precisa de tempo para brincar. A escola somos nós que a fazemos, por isso não podemos dizer que a culpa de as crianças não terem tempo para brincar é do sistema, quando nós somos, em grande medida, esse mesmo sistema. Atrevo-me a dizer que as crianças precisam, também, que os professores brinquem com elas.
O espaço de aprendizagem não se resume, nem se pode resumir, a uma sala de aula. Uma criança não aprende apenas sentada numa cadeira em frente a um quadro. E não, utilizar um quadro interativo não pressupõe que, à partida, a aula seja mais participativa e haja maior envolvimento.
A aprendizagem em contexto escolar não pode cingir-se ao Português e à Matemática, porque as crianças não falam apenas a linguagem das letras ou dos números. As crianças continuam a ter as cem linguagens que tinham antes de chegarem à formalidade de uma sala de aula e é urgente que todas sejam incentivadas. E porque é que apenas o mérito a Português e Matemática é valorizado? Porque é que uma criança excelente nas Artes não tem o mesmo reconhecimento? E as que possuem competências motoras extraordinárias? Porque não lhe damos (nem nos permitem que demos). Simples.
E as fichas de avaliação, serão a única forma existente para avaliar as crianças? E os exames e provas de aferição, servem exatamente para quê? Uma coisa que a pandemia trouxe de positivo foi isto: diferentes estratégias de avaliação; e deu para perceber que a provas e exames não servem para grande coisa.
A Educação Artística não diz respeito apenas ao pintar desenhos. E pintar desenhos talvez seja a “arte” mais redutora daquilo que deve ser o trabalho artístico. É urgente que a Educação Artística seja encarada com a seriedade que lhe é devida. É fundamental que os alunos possam viver a Arte de uma forma pura e livre, sem condicionamentos. A arte no 1º Ciclo não se pode resumir à elaboração de flores na primavera, corações no dia dos namorados ou coelhos na páscoa. E a Educação Artística não pode ser avaliada por um desenho pintado. Educação Artística é pintura, escultura, desenho, teatro, música, dança… É Arte. E arte é expressão! E as crianças precisam de ser livres na forma como se expressam. As crianças precisam de ter oportunidades para se expressarem. E quando me refiro a expressão livre não é aquela que eu lhes proponho... é aquela que elas escolhem!
As crianças precisam de ser ouvidas e sentirem que aquilo que dizem é valorizado. A escola tem de se assumir como um espaço de participação onde podem ser livres. E na escola tem de haver tempo para conversar, sem a preocupação de fazer as crianças alcançarem "competências discursivas" descritas nos referenciais de de metas e objetivos a atingir. Conversar apenas por conversar, partilhar pontos de vista, ideias, opiniões, frustrações… Na verdade, conversar para criar e reforçar relações.
O capital cultural é diferente de criança para criança e é a partir daí que devemos partir. As crianças não chegam à escola vazias de conhecimento, de aprendizagens, de saberes… de vida. Toda essa diferença não é motivo para segregar, bem pelo contrário, serve para aproximar. O currículo oculto que cada criança traz consigo não pode ser menosprezado e pode servir de mote para grandes aprendizagens - sim, há aprendizagens que não vêm nos manuais.
E é importante não esquecer o bem-estar, temos de olhar para o bem-estar das crianças como peça fundamental no seu desenvolvimento. E quando uma criança não está bem, sabemos que a aprendizagem não vai ser significativa porque o seu envolvimento ficará aquém. Uma criança feliz na escola é uma criança que aprende melhor, já que nos preocupamos tanto com o aprender.
E sim, para os mais cépticos, é possível as crianças fazerem tudo isto e aprenderem Português e Matemática ao mesmo tempo - e serem competentes. E o truque está aí, na flexibilidade e na trasnversalidade. Mas calma, não estou a falar da flexibilidade que tão bem escrevemos nos documentos oficiais, refiro-me aquela que acontece naturalmente no dia-a-dia através das múltiplas situações de aprendizagem que acontecem. Aquela que não nos é imposta em projetos que sentimos obrigação de fazer, mas a flexibilidade que faz parte do nosso modo de fazer pedagógico.
Sim, tenho ainda alguma dificuldade em conceber o facto de se querer fazer bandeira de algo como a "flexibilidade" e grandes projetos ao redor deste conceito tão "inovador", quando ela devia ser a bandeira de qualquer professor.
Um professor do 1º Ciclo,
Fábio Gonçalves
É isso mesmo! As crianças continuam a ser crianças...
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