E SE UMA CRIANÇA BRINCAR SEMPRE NA MESMA ÁREA?

Uma das competências que deve ser inata ao exercício da profissão do Educador de Infância é a observação. Observamos para planear, para agir e avaliar, em ciclos que se sustentam e sucedem. A observação que fazemos das crianças, no geral, e de cada criança, em particular, é a base que suporta e fundamenta a nossa intencionalidade educativa.

A observação vai além daquilo que é o ato de olhar e ver. Apesar de ser um conceito aparentemente simples, a verdade é que em Educação de Infância, pela sua importância e transversalidade, a observação representa um tema vasto, que se torna difícil abordar em meia dúzia de parágrafos. Ainda assim, atrevo-me a fazê-lo, já que me parece pertinente refletir sobre a sua importância no nosso dia-a-dia, em particular sobre a nossa implicação nas escolhas das crianças.

Diariamente somos confrontados com uma criança que gosta de brincar mais na área dos jogos; outra que prefere fazer construções tridimensionais; umas que se sentem mais predispostas para fazer pinturas; algumas que gostam de ir para a biblioteca; e ainda há aquelas que, por sua vontade, passariam muito do seu tempo na casinha.

Quando uma criança nos pergunta “posso ir para aquela área?”, rapidamente respondemos “Estiveste lá de manhã”, “Já foste para lá muitas vezes” ou “Está cheia”.

Na maioria das situações, não pensamos nas respostas nem ajudamos as crianças a refletir sobre as suas escolhas: registamos quantas vezes cada criança foi para uma área? E se o fizermos, é importante para quê? Chegamos a acordo com o grupo sobre o número de vezes que representa o “muitas vezes”? Foi definido com o grupo um limite de crianças em cada área? Há várias questões sobre as quais devemos pensar.

 

E quantas vezes já condicionamos a ida de uma criança para a casinha, pelas razões anteriores, e não o fizemos tanto quando a criança escolhe fazer desenhos? Ou quando opta por ler um livro na biblioteca?

 

Enquanto educadores de infância, não devemos responder “sim” só porque sim, ou “não” só porque não, muito menos as nossas respostas devem ser condicionadas por quantidades numéricas. Por vezes questiono-me sobre isto:


Porque é que olhamos mais para a quantidade de vezes que uma criança optou para uma determinada área, do que para a qualidade das brincadeiras que a criança faz nessa área?


É aqui que um processo de observação contínuo e sistemático, acompanhado pelo registo e análise das informações, faz a diferença e permite ao educador responder às verdadeiras necessidades das crianças.

Mais do que condicionar as brincadeiras das crianças a partir do número de vezes que frequenta uma área da sala, é fundamental que o educador perceba de que forma evoluem as brincadeiras das crianças nessa mesma área.  


 A criança espalha os talheres pelo chão ou já os coloca na mesa? Os puzzles que gosta de montar são de 20, 50 ou já monta puzzles com 100 peças? Os bonecos andam pendurados pela mão ou já andam ao colo? As cores da plasticina ficam todas misturadas ou já faz construções separando as cores?


Não estou com isto a dizer que as crianças devem brincar apenas na área onde querem, naturalmente. O papel do educador é observar e perceber de que forma o desenvolvimento das crianças não fica comprometido e lhes é possibilitado o desenvolvimento das cem linguagens. Escolher algumas vezes na semana uma área para brincar, não tem de ser um problema se houver, de facto, desenvolvimento na relação e interação das crianças com os espaços, com os materiais e com os pares.

Mas é também este educador que irá observar e constatar que há crianças que precisam de desenvolver outras competências, que não têm conseguido através da permanência em determinadas áreas. É fundamental que observemos o brincar da criança e percebamos se precisa ou não de outro tipo de experiências e de que forma poderemos intervir.

É aqui que a observação é estrutural, porque possibilitará ao educador assegurar que as áreas que existem na sala são desafiantes o suficiente para as crianças demonstrarem interesse; que promovem a implicação das crianças no desenrolar dos projetos que iniciam; que os materiais disponíveis promovem uma aprendizagem ativa; que os espaços são inclusivos e despertam a curiosidade e motivação dos mais pequenos; que os recursos existentes não têm fins fechados em si próprios e abrem múltiplas possibilidades; que as oportunidades de aprendizagem estão em tudo o que é feito...

 Todas as decisões que tomamos enquanto educadores de infância têm de ser intencionais. Mesmo quando dizemos “sim” ou “não, essas decisões devem ser fruto do nosso conhecimento sobre as crianças e o seu desenvolvimento, sobre o contexto e sobre pedagogia da infância, além do conhecimento que construímos pela nossa experiência, quer individual, como pela partilha com os nossos pares.

É fundamental que criemos ambientes educativos que sejam o reflexo do conhecimento que temos do grupo e de cada criança. Só assim teremos práticas mais conscientes! 

 

Boas reflexões.

Um Educador de Infância,

Fábio Gonçalves


Comentários

  1. Vale a pena refletir sobre a nossa prática do quotidiano. Obrigada

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  2. Obrigada por nos presenteares com tantas reflexões. Para mim é sempre uma grande ajuda para continuar a remar contra tantas "marés".

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  3. Muito obrigada, muitas vezes me tenho deparado com esta dúvida e reflexão na minha prática. Uma ajuda preciosa. Obrigada

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